Entrevista com Hilton Japiassu autor do livro CIÊNCIAS, QUESTÕES IMPERTINENTES

Por que decidiu escrever sobre o tema?

Porque gostaria que partilhar com um público mais amplo a discussão sobre alguns temas que durante alguns anos tratei com meus alunos de filosofia e psicologia na UFRJ. Pretendi trazer à reflexão, para o estado dos saberes atuais, algumas das grandes noções que a filosofia historicamente tem se colocado. Tentamos explicitar seus principais questionamentos e propor eventuais perspectivas de soluções. Minha aposta foi a de incentivar o leitor a voltar a pensar e repensar, pois nosso mundo de hoje, embriagado de racionalidade, eficácia, velocidade, consumo, arrisca-se paradoxalmente a perder a capacidade de se entender e se ver criticamente.

Qual é a principal ideia que o leitor terá ao ler o livro?

A principal ideia que o leitor terá ao ler meu livro? Creio que possivelmente irá compreender que ninguém nunca é jovem demais para filosofar (pensar, examinar) nem muito velho para garantir a saúde de sua alma: “Quem diz que o tempo de filosofar ainda não chegou ou que já passou, é semelhante a quem diz que ainda não chegou ou já terminou o tempo da felicidade” (Epicuro). Quem não renuncia à sua capacidade de pensar, anda sempre com um sonho na cabeça e uma bússola na mão, para não ficar condenado a viver na rotina do consumo, do sexo, da droga e do Credit Card, pois é alguém capaz de dizer “Não” a tudo o que diminui e degrada a condição humana.

Os impactos socioeconômicos, políticos, culturais e históricos são influência determinantes para como encarar modo de se ver o que é ciência?

Claro que os impactos socioculturais, econômicos e históricos exercem uma influência determinantes no modo de vermos e concebermos a Ciência. Porque não podemos nos conformar com uma visão internalista e idealista concebendo a ciência como uma atividade intelectual relativamente autônoma em relação às outras atividades humanas e possuindo um desenvolvimento próprio. Uma visão mais propriamente externalista não deve ser menosprezada, pois devemos conceber a ciência como uma atividade indissociavelmente conectada a vínculos de dependência mais ou menos estreitos com outras atividades humanas: a economia, a política, a tecnologia. Não nos esqueçamos que, antes da “filosofia natural”, houve a “magia natural” Por isso, não temos o direito de reduzir a oposição artificial criada por alguns espíritos sectários entre o pensamento filosófico-poético, qualificado de pré-lógico ou desprovido de sentido, e o pensamento científico e lógico, o único a ser considerado verdadeiro. Entre o pensamento racional e objetivo, e o irracional, até mesmo o suprarracional. O puritanismo racionalista corre o risco de dissimular a profundeza e a multiplicidade das relações que unem o mundo da ciência ao mundo da religião e da poesia, inclusive, da magia. Pensadores pouco suspeitos têm nos mostrado que as teorias e os conceitos científicos frequentemente mergulham suas raízes em crenças e em especulações as mais arcaicas e as mais fantásticas (cf. Newton).

A Ciência pode ser neutra?

Evidentemente que não posso admitir a neutralidade da ciência. Há alguns anos escrevi um livro que provocou certa polêmica, pois tentei denunciar O mito da neutralidade científica (título, Imago Editora), e mostrar que, nesse domínio, não existe “imaculada concepção da ciência”. Porque afirmar sua neutralidade seria negar a espécie de lógica operatória que lhe é imanente; ademais, seria negar seu caráter cultural, que é produzida em determinadas condições culturais, marcada pela existência de valores, não podendo ser concebida como uma atividade caída do céu, transcendente à História. O exemplo da física nuclear é ilustrativo. No início, seu conhecimento dito fundamental ou teórico não tinha finalidades práticas. No entanto, o que aprendemos sobre o núcleo do átomo serve para construir centrais nucleares e produzir energia com a qual nos iluminamos e aquecemos. Mas eis que, como sabemos, a energia nuclear serviu também para fabricar armas de morte. Aliás, foi para isso que serviu em primeiro lugar: fabricação de bombas atômicas. Durante a Segunda Guerra mundial, infelizmente, elas foram lançadas no Japão e mataram milhares de pessoas inocentes. Por isso, creio não ser mais possível livrar a ciência de toda responsabilidade como se pudéssemos considerá-la pura e neutra em relação ao processo político, pois ela é portadora de um projeto,  podendo ser considerada a realização da metafísica ocidental. A partir de Hiroshima, constatava o físico Openheimer, “a ciência conheceu seu pecado original”.

Existe um capítulo dedicado ao Behavorismo, o Sr. pode explicar o que é por que levantar o tema e sua importância no livro?

Sinteticamente, vou lembrar o que é o behaviorismo e qual a importância que tem em meu livro. Em Psicologia, o behaviorismo deve ser considerado um método destinado ao estudo do comportamento do ser humano e das reações objetivas, excluindo as manifestações da consciência de modo a formular leis. Em outras palavras, é a psicologia que, repousando na observação do comportamento, utiliza o método objetivo e reduz ao estado de epifenômenos as manifestações mentais do sujeito. Há alguns anos escrevi dois livros, “Introdução à epistemologia da psicologia” e “A Psicologia dos psicólogos” (Ed. Imago), para tentar demonstrar que o esquema da psicologia behaviorista, tal como foi formulada por Watson , desenvolvida, aprimorada e amplamente difundida por Skinner, teve por projeto fundamental (consciente ou não) conduzir a humanidade para além da liberdade e da dignidade (título de um livro de Skinner). No entender de seus epígonos mais influentes, a humanidade deveria renunciar a todas as ilusões que implicam as noções de “pessoa” e de “liberdade”. É nessa perspectiva de um “materialismo” integral que ela deveria organizar metodicamente a satisfação de suas necessidades vitais elementares. Como se a psicologia do comportamento estivesse na origem de uma verdadeira revolução cultural!

O livro tem inúmeras referências, desde Pascal, Hitler, Maquiavel, Hobes, Kant, Descartes, Bacon, Marx entre muitos outros. Como foi a organização e a prioridade para se ‘beber’ das fontes de grandes pensadores e como foi possível concentrar os pensamentos neste livro?

É verdade, o livro contém inúmeras referências a vários autores, notadamente a alguns filósofos ilustres. De fato, a tradição filosófica é muito rica em pensamentos profundos e fulgurantes, frequentemente fecundos que parecem condensar uma infinidade de significações, imagens e experiência numa unidade mínima de tempo e espaço. Em sua longa história de mais de 2.500 anos, ela nos legou um extraordinário patrimônio de obras do qual nossa cultura continua selecionando alguns “pensamentos” que se tornaram célebres e inspiradores de nossos modos de ver, pensar, agir e sentir. Por isso, precisamos sempre retornar às fontes inspiradoras da filosofia em busca de pontos de referência para o conjunto de nossa condição humana. Ela só intriga e apavora os que a ignoram. Apaixona os que se dão ao trabalho de conhecê-la. Desde os Gregos, ela vem se afirmando, não como um simples discurso teórico, como uma análise reflexiva de conceitos, mas como uma aprendizagem da vida, uma aspiração prática à obtenção da sabedoria.

O livro é resultado de uma tese ou de um estudo?

O livro não é resultado de uma tese. Digamos que é uma coletânea de textos (revistos e ampliados) propostos aos meus alunos para discussão em seminários, provocando sua reflexão sobre algumas das questões que historicamente a filosofia vem se colocando e que hoje me parecem obter um sabor de atualidade. Questões que chamei de “impertinentes”, por conter certa dose de irreverência e de indignação. Pois estou convencido de que nossa sociedade adquiriu uma tremenda capacidade de abafar toda verdadeira divergência, seja silenciando-a ou convertendo-a num fenômeno comercializado como os outros. E como as vozes discordantes são mercantilizadas, considero importante continuarmos pensando uma sociedade onde:

–      os valores econômicos não se imponham como centrais e únicos;

–      a cultura não seja identificada com o mero entretenimento, mas com tudo o que ultrapassa o simples funcional e o instrumental, humanizando nosso espírito e nossa consciência;

–      o crescimento máximo seja considerado um meio, não o fim das ações humanas (a dignidade do homem não tem preço)

–      não nos deixemos dominar pela obsessão do consumismo;

–      possamos nos afirmar e definir por nossa liberdade em relação aos poderes, pela crítica das ideias recebidas e pela denúncia das alternativas simplistas.

Ao escrever o livro, você pensa em atingir algum público específico? Qual?

Ao escrever o livro, não pensei conscientemente em atingir um público específico. Quis simplesmente mostrar a um público amplo, e não necessariamente acadêmico, que, em nosso mundo embriagado de racionalização, eficácia, especialização, competição, busca de notoriedade, ceticismo, consumismo e hedonismo, dominado por rápidas mudanças afetando os homens e a natureza, onde o trabalho, a cultura, os amores e a coisa pública não escapam ao império da confusão e da decepção, torna-se urgente a retomada da reflexão. Não sobre ideias abstratas, mas sobre conceitos vinculados ao real e aos vários saberes, tendo em vista viver a Sabedoria e buscar a Felicidade. Neste sentido, cada um de nós pode se tornar um pensador, alguém que se baseia na lógica da argumentação e da refutação, jamais confundindo as coisas da lógica com a lógica das coisas, e dizer “Não” a tudo o que degrada o homem. Porque toda sociedade que nega a importância fundamental da racionalidade crítica para resolver seus problemas está mais facilmente exposta a ser vítima de tiranos e charlatães.

Contatos com o autor:

Email: japiassu@domain.com.br

Para conhecer o autor:

– Doutor em Filosofia pela Université des Sciences Sociales de Grenoble (França)

– Pós-doutorado pela Universitsé des Sciences Humaines de Strasbourg (França)

– Professor (aposentado) de Epistemologia e História das Ciências no Departamento de Filosofia na UFRJFi

– Publicou mais de 30 livros.

Nicolau Kietzmann Goldemberg

DGNK Assessoria de Imprensa

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2 respostas para Entrevista com Hilton Japiassu autor do livro CIÊNCIAS, QUESTÕES IMPERTINENTES

  1. Alexandre Magno Teixeira de Carvalho disse:

    “A filosofia (…) apaixona os que se dão ao trabalho de conhecê-la”. Penso em Eros, em pathos, em… thauma! No exercício da profissão, no meu processo de formação (em construção permanente rs) e na prática docente, sempre reivindico a filiação da psicologia [discurso sobre a psiquê] à filosofia. Lamento tão somente não ter sido (ainda) aluno do professor Japiassu (bem, parece que os parênteses falam de desejo rs). Um abraço,

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